Gravação do 20º Encontro:
NOTA DOS CURADORES DO CINEMATÓGRAFO
Em “A Ponte das Artes”, de 2004, Eugène Green constroi uma representação que busca expressar o sentido profundo da arte. Nosso encontro sobre o filme é sábado (20), às 16h.
“A ponte das Artes”, de 2004, é o terceiro filme de Eugène Green a ser abordado em nossos encontros. Desde o seu primeiro trabalho, “Todas as Noites” (2001), Green dirigiu sete longas-metragens e mais alguns curtas, compondo uma cinematografia de variadas abordagens temáticas, mas marcada por um estilo próprio que manifesta uma ideia conceitual de cinema, conjugando simplicidade e um rigoroso formalismo, o que resulta numa sintaxe cinematográfica extemporânea.
Destoando do realismo e do naturalismo despojado predominantes no cinema de arte ou cultural que vem sendo feito neste século, Eugène Green desloca a busca da especificidade da imagem cinematográfica para valorizar, na imagem, a presença da palavra e o poder do signo: para o diretor, toda imagem, essencialmente, se constitui como um signo que busca uma palavra.
Em “A Ponte das Artes”, de 2004, Eugène Green constroi uma representação que busca expressar o sentido profundo da arte: a conexão espiritual entre os seres que vivifica o mistério da natureza através da criação, da sensibilidade, da emoção em relação com o pensamento.
Narrativamente, a trama do filme é simples: uma história de amor impossível entre dois jovens que nunca conseguem se encontrar. Sarah (Natacha Régnier) é cantora lírica de música barroca, sob a direção de um homem cruel, o Inominável. Já Pascal (Adrien Michaux), estudante desiludido com seus estudos e seu mestrado, busca um sentido para a vida.
A narrativa acontece integrada ao estilo e à estética do diretor. Para expressar o vislumbre de uma dimensão sagrada presente no mundo e que somente o cinema poderia revelar (como pensa Eugène Green), alguns dispositivos dão forma ao regime narrativo e estético do filme: o tom teatral da performance dos atores, os diálogos extremamente precisos e diretos nas conversas e, nestas, o olhar frontal de cada interlocutor dirigido à câmera, enquanto falam um com o outro.
Tributário, em algum grau, da mística de Manoel de Oliveira e do cinematógrafo de Bresson, alguns recursos de estilo remetem também a Ozu, em especial, a atenção dada a planos parciais de objetos ou cantos de um lugar e a valorização do envolvimento dramático entre espectador e personagens através do plano frontal.
Dentre estes recursos, um que nos envolve intensamente é o uso da luz. Valorizando contrastes, Green sempre utiliza luz de velas em seus filmes: a vela e a chama são signos que evocam certa simbologia narrativa, mas seus efeitos de sombra e luz cumprem uma função estética precisa e incisiva: se os personagens não são psicologizados (não são seus sofrimentos que importam, mas o drama que eles encenam e expressam através de palavras, símbolos e metáforas), o jogo de luz e sombra traduz a complexidade e contradições do mundo e do humano.
A modalidade artística que aparece na história de “A Ponte das Artes” é, em especial, a Música. O “Lamento della Ninfa”, de Monteverdi, dá o tom do filme. Mas, em seu conjunto — estilo, narrativa e estética –, o filme é em si a obra de Arte que nos quer comunicar um mundo que o mundo mesmo nos nega ou se esforça para negar: o mundo espiritual que habita o mundo material.
Esta é, afinal, a descrição mais precisa e profunda do estilo Barroco para Eugène Green: um período histórico, antes de mais nada, que se expressava nas artes e na arquitetura. O que torna especial esse período é o seu ideário fundamental de reunir o divino e o humano num espaço/tempo comum, ou — como diz Sarah ao seu namorado: “as pessoas do período barroco diziam sempre duas coisas contraditórias, ambas verdadeiras.”
Essa é a pequena grandeza do cinema de Eugène Green: traduzir na imagem a palavra, e da palavra extrair o sentimento do sagrado que só a imagem — a imagem do cinema — pode proporcionar. Às vezes, no filme, uma personagem se exime de dizer, cala-se num momento em que mais esperamos uma resposta ou uma fala, e ela nos olha diretamente e mais nada. E tudo está aí, num olhar lancinante, calmo, profundo, cúmplice de nós em nosso próprio mundo interior contraditório, secreto, ávido de ser.
Nosso encontro sobre “A Ponte das Artes” é o 20º Encontro Cinematógrafo e Saladearte Daten, e acontece neste sábado (20), às 16h.
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Por Fabricio Ramos e Camele Queiroz, curadores das ações Cinematógrafo na Saladearte!
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O Cinematógrafo é uma ação dos cineastas Fabricio Ramos e Camele Queiroz em parceria com o Circuito de Cinema Saladearte.
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OS ENCONTROS SALADEARTE DATEN e CINEMATÓGRAFO
Enquanto as sessões do Cinematógrafo no Circuito de Cinema Saladearte estão suspensas por conta do distanciamento social imposto pelo coronavírus, a Saladearte Cine Daten, junto com os curadores do Cinematógrafo – os cineastas Camele Queiroz e Fabricio Ramos – vão promover encontros virtuais para conversar sobre filmes que serão propostos e podem ser vistos online.
A cada semana, os curadores indicarão nas redes sociais do Cinematógrafo e do Circuito Saladearte um filme para ser visto online, em casa! Os bate-papos virtuais sobre os filmes acontecem sempre aos sábados (16h) e às quartas (19h30), na plataforma Google Meet, com mediação dos próprios curadores. A dinâmica é participativa.
O público interessado pode se cadastrar no breve formulário online para receber por email o link de acesso aos encontros virtuais: acesse o formulário.
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