Este mês, o Cinematógrafo inaugura uma nova ação mensal: o Cinematógrafo em Foco, que propõe sessões com enfoques temáticos, propostos pelos curadores, os cineastas e pesquisadores Camele Queiroz e Fabricio Ramos: arte, cidade, questão indígena, racismo, família, são temas previstos, entre outros. Depois de cada sessão, os curadores introduzem a conversa situando a relação do filme com o tema e abrem a roda de bate-papo. As sessões mensais acontecerão sempre numa sexta-feira, às 19h30.
O Primeiro Cinematógrafo em Foco acontece no dia 23/8, na Saladearte – Cinema da UFBA, enfocando a temática “Arte, Afinal”. O filme é “A Ponte das Artes” (2004), de Eugène Green, uma obra vivificante e sublime que constroi uma representação expressiva do sentido profundo da arte e da Música: o de possibilitar uma conexão espiritual imediata entre os seres que, através da criação e da sensibilidade, vivifica o mistério da natureza e do mundo no interior da nossa própria vida. O filme conta a história de um amor impossível entre dois jovens que nunca conseguem se encontrar. Sarah é cantora de música barroca, sob a direção de um homem cruel, o Inominável. Pascal, estudante, busca um sentido para a vida.
Eugène Green, desde o seu primeiro filme (e livros), busca transmitir uma ideia conceitual de cinema que conjuga simplicidade e formalismo, para produzir uma sintaxe cinematográfica baseada na relação entre a imagem e a força da palavra. Admirador de Bresson e criador de um estilo próprio, dissonante e mesmo anacrônico em comparação com o que se vê no cinema contemporâneo, Eugène subverte, pelas vias do antinaturalismo dramático, o lugar da palavra e da linguagem no cinema: “toda imagem quer encontrar uma palavra”. O seu esforço é o de revelar – e só o cinema poderia fazê-lo – uma dimensão sagrada presente no mundo, uma dimensão sensível, mas invisível – até que o cinema (a arte) a manifeste através da luz e do verbo.
No dia 31, o tradicional Cinematógrafo do último sábado do mês traz outra sublime obra do diretor: “A Religiosa Postuguesa” (2009).
A história de Julie de Hauranne, uma jovem atriz francesa que fala a língua da sua mãe, o português, mas que nunca esteve em Lisboa, quando chega pela primeira vez a esta cidade, onde vai rodar um filme baseado nas “Lettres portugaises” de Guilleragues. Rapidamente, deixa-se fascinar por uma freira que vai rezar, todas as noites, na capela da Nossa Senhora do Monte, na colina da Graça. No decurso da sua estadia, a jovem trava uma série de conhecimentos, que, à imagem da sua existência anterior, parecem efêmeros e inconsequentes. Mas, após uma noite em que, finalmente, fala com a freira, ela consegue entrever o sentido da vida e do seu destino.
O filme é uma obra-prima que, imerso na atmosfera de Lisboa, nos remete de alguma forma a Salvador: uma cidade viva, carregada de história e de passado ao tempo que é uma promessa de futuro. Uma breve cena sintetiza bem o humor de Eugène Green e o estilo do filme: na história, em que há um filme acontecendo dentro do filme, aparece um diálogo entre a atriz e sua maquiadora. Esta – ao ouvir que o filme não é convencional – dispara: “chato, então”. Ao que a atriz responde: “espero que não, a história me emociona”. Eugène Green está a falar diretamente conosco, através da energia de suas personagens. E fala profundamente.